O art. 50, do Código Civil, que trata da confusão patrimonial e do abuso da personalidade jurídica, estabelece, em suma, que a personalidade jurídica pode ser desconsiderada quando há fusão dos bens das empresas, entre elas, ou com os bens pessoais dos sócios ou administradores, ou quando há a utilização da empresa como mero veículo para fraudes ou abusos.
A confusão patrimonial ocorreria quando se verificarem elementos de indistinção entre os bens de pessoas jurídicas e seus sócios, ou entre os bens de duas ou mais pessoas jurídicas. Essa situação levaria à desconsideração da personalidade jurídica, com o objetivo de responsabilizar os sócios, ou outras empresas de um grupo econômico, pelas obrigações de determinada empresa em específico.
A desconsideração se baseia na ideia de que a proteção da personalidade jurídica não deve ser utilizada para fins fraudulentos ou abusivos. A confusão patrimonial é um indício de que a personalidade jurídica está sendo desvirtuada.
Importante frisar, é previsão expressa da norma que não basta a existência de um grupo econômico para a desconsideração da personalidade de uma das empresas desse grupo por dívida da outra, é necessária a presença dos requisitos do caput do art. 50, dentre eles a confusão patrimonial.
Porém, a composição do quadro social de empresas pelos membros de uma mesma família não caracteriza necessariamente um ato ilícito passível de tornar essas empresas responsáveis pelos débitos da outra. O mesmo raciocínio se aplica ao fato de eventualmente ocuparem o mesmo endereço, até mesmo porque, se assim fosse, empresas sediadas em locais coletivos (coworking, ou condomínios de galpões, por exemplo) seriam todos solidários responsáveis automaticamente.
Vale destacar também que, a divisão de um negócio maior e complexo em mais de uma empresa, divisão administrativa (interna, portanto, a partir do interesse da sociedade!) igualmente não representa, por si só, responsabilidade comum de todas as empresas por todos as obrigações de cada um dos negócios desenvolvidos nas empresas.
Por fim, a inexistência de funcionários numa empresa, ou mesmo a concentração de funcionários em uma determinada empresa de um grupo econômico, não viola nenhuma legislação, ou mesmo representa um ato ilegal, simulado ou fraudulento que representaria um abuso de personalidade. Funcionários são alocados nas empresas que necessitarem, de acordo com a divisão de funções nas empresas; dito de outra forma, se uma atividade de uma empresa não precisa de funcionários, é um absurdo entender que a falta dele torna o negócio ilegal, fraudulento ou suspeito!
Há de se ter um mínimo de indício de um ato abusivo para a atribuição de responsabilidade, exatamente porque o terceiro necessariamente deverá ter concorrido para o descumprimento da obrigação.
Como já dissemos em publicações anteriores, a análise dos elementos do caso concreto deve ser detalhada e profunda, de forma a aplicar exatamente os requisitos legais, sob pena de incorreta subsunção dos fatos à norma, o que levaria a aplicação errada do instituto.
As regras previstas nas normas tributárias visam impedir que o tributo deixe de ser pago POR QUEM EFETIVAMENTE O DEVA, por conta de atos ilegais praticados com esta finalidade, de deixar de pagar tributo devido, mas jamais privilegiar, onerar o inocente que nada teve que ver com a inadimplência tributária.
Em hipótese alguma a previsão da lei tributária visa tornar ilegal um ato legal, autorizado por normas de outro ramo do Direito. Não se pretende tornar ilegal uma pessoa ser sócia de mais de uma empresa ao mesmo tempo, ainda que estas empresas atuem no mesmo endereço, no mesmo ramo de atividade ou mesmo tenham os quadros sociais compostos por pessoas da mesma família.
Atribuir responsabilidade a terceiros é decisão de extrema importância, que jamais pode prejudicar um inocente, ou mesmo ser aplicada sem a mais profunda análise de todos os detalhes do caso concreto, à luz da previsão legal específica.
Autor: Charles Ribeiro, advogado