Reservando as questões primordialmente técnicas àqueles têm conhecimento maior que o meu, são essas breves linhas apenas para trazer algumas considerações sobre questões que, entendo, deveriam ter sido analisadas antes de se entrar na construção do texto promulgado da reforma.
Se a pretensão era de “justiça fiscal”, por que se falar em base ampla, em “direitos” e “operações não onerosas” como fatos geradores dos impostos, se isso necessariamente levará a um aumento de carga tributária? Por que a justiça se faz com o aumento e não como a diminuição da carga tributária?
Que não se diga que a suposta “não cumulatividade plena” levaria a uma tributação menor, uma vez que permitirá o aproveitamento de créditos não aproveitados na sistemática de hoje, porque se algum elo da cadeia for desonerado isso representará cumulatividade dos impostos e não o contrário.
Ademais, se a pretensão era retirar impostos das bases de cálculos dele próprio e de outros impostos, por que o IBS/CBS continuará fazendo parte da base de cálculo do ICMS?
Por que considerar como “parte relacionada” qualquer membro da cadeia que possa exercer “influência” sobre os demais, levando essa situação à desconsideração do valor apontado pelas partes e a um arbitramento desse valor como base no “valor de mercado”? Ora, mas o valor apontado é o de mercado, considerado em cadeias construídas com base nos interesses das partes, é assim na prática.
Como podem então as partes envolvidas terem os valores de seus negócios ajustados por conta dos seus interesses, mas o Fisco ficar alheio a tudo isso, e poder considerar a base para sua arrecadação um tal “valor de mercado” que ele poderá buscar e considerar?
Todo o mercado, as cadeias de produção, se constroem através do ajustamento dos interesses dos envolvidos (maiores ou menores), mas o Fisco não se satisfez em aumentar a base de tributação (base ampla), ainda se colocou numa situação acima das partes, podendo arbitrar o valor sobre o qual buscará sua arrecadação.
É isso mesmo? Podia ser diferente? Devia ser diferente? O que realmente se buscou?
Definitivamente, nos parece que o “pano de fundo” da reforma foi aumentar arrecadação (ou, no mínimo, manter a arrecadação total, aumentando de uns e diminuindo de outros), mas jamais se pensou em diminuir a carga total, carga de segmentos, ou mesmo a burocracia como um todo.
Parece que é feio, proibido e cada vez mais dificultado o cidadão ser rico. A prosperidade do cidadão (a galinha dos ovos de ouro dos tributos, na verdade!) que gera riqueza, renda, negócio, consumo e alimenta toda a tributação, não interessa para a balança. O que importa é deixar claro que TUDO SERÁ TRIBUTADO, QUALQUER DÚVIDA EM FAVOR DE ARRECADAR MAIS!
Esquece-se todo o mais colocado na Magna Carta, todo o “Código do Contribuinte” que foi instituído exatamente para equilibrar os direitos do cidadão no trato com o Estado.
Ora, prosperidade não interessa exatamente para buscar mais arrecadação? Pelo jeito não, QUEM TEM QUE SER RICO É O ESTADO!
Do outro lado, por sua vez, nada se fala dos gastos públicos. Busca-se mais arrecadação para cobrir o rombo já existente (já foi gasto!), desconsiderando o ajuste desses gastos para o futuro. Onde será o fim desse calvário? Onde estará o equilíbrio das contas públicas?
E aí vem a maior indagação, se o Estado foi criado pelo povo, que decidiu junto outorgar a ele todo poder com a contrapartida de algumas obrigações, uma vez que ele não está conseguindo honrar com as obrigações que lhe foram impostas, é permitindo que gaste livremente que se resolverá essa equação?
Como pensar uma reforma tributária para aumentar arrecadação sobre um montante de riqueza já apertado por tributos? Como aumentar tributos sem aumentar riqueza? Deixar o povo mais pobre para enriquecer o Estado é a solução para nossos problemas como nação?
Por que essa lógica não esteve sobre a mesa para ser debatida antes de se iniciar a construção técnica do texto da reforma? Ou isso foi debatido e o texto resultante foi exatamente aquilo que se pretendeu?
Como assim agora TUDO SERÁ TRIBUTADO? E o equilíbrio entre direitos e obrigações pretendido pela Constituição Federal? Como assim foi todo implodido e agora vale A NOVA ORDEM?
Por que um sistema tributário constitucional, como um todo, é relegado a um segundo plano, e uma reforma é implementada olhando apenas para o interesse do Estado em arrecadar mais?
Como fazer isso sob o manto da justiça fiscal, da cooperação, da simplicidade e da transparência? O que motivou o esquecimento das defesas dos contribuintes em nome de uma tecnicidade vazia apenas?
Olhando de um ponto de vista histórico, o que foi feito nessa reforma tributária que já não foi feito em momentos históricos no Brasil e no mundo? Por que repetir erros do passado?
Em resumo, ficam as indagações: podia a reforma ser diferente? Devia ser diferente? O que realmente se quis com a reforma da forma como posta?
Autor: Charles Ribeiro, advogado